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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Escritores/ Luís de Stau Monteiro,José Cardoso Pires,Alexandre O'Neill ,25deAbril




Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais tarde também adaptado ao teatro – , esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça – designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.






Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro

nasceu no dia 03/04/1926 em Lisboa e faleceu no dia 23/07/1993 na mesma cidade. Partiu para Londres com dez anos de idade, acompanhando o pai que exercia as funções de embaixador de Portugal. Regressa a Portugal em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por Salazar. Licenciou-se em Direito em Lisboa, exercendo a advocacia por pouco tempo. Parte novamente para Londres, tornando-se condutor de Fórmula 2. Regressa a Portugal e colabora em várias publicações, destacando-se a revista Almanaque e o suplemento "A Mosca" do Diário de Lisboa, e cria a secção Guidinha no mesmo jornal. Em 1961, publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça, resultando num êxito estrondoso. Foi preso em 1967 pela Pide após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971, com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A Relíquia, representada no Teatro Maria Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como novela televisiva em 1982 com o título Chuva na Areia.Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para o Jantar (romance, 1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro: Felizmente Há Luar (1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do Motor fora da Borda (1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de Abraão Zacut (1968).


José Cardoso Pires

nasceu em 1925 em São João do Peso, Castelo Branco, filho do oficial de Marinha José António Neves e de Maria Sofia Cardoso Pires Neves. Entre 1935 e 1944 faz os estudos secundários no Liceu Camões e frequência de Matemáticas Superiores na Faculdade de Ciências de Lisboa, sem todavia concluir o curso. Colabora na página literária do jornal "O Globo" e publica comentários de leitura na revista "Afinidades" do Instituto Francês de Lisboa. Em 1945 alista-se na Marinha Mercante como praticante de piloto sem curso, actividade que abandona compulsivamente, "suspeito de indisciplina e detido em viagem do navio Niassa" (cf. auto da Capitania do Porto de Lisboa, de 2/2/46). Primeiro texto publicado em volume - o conto "Salão de Vintém" (in "Bloco", antologia de jovens universitários). Em 1949 publica "Os Caminheiros e Outros Contos" (em edição do autor com chancela da editora Centro Bibliográfico).Foi redactor e depois chefe de redacção da revista feminina "Eva". Com Victor Palla funda a colecção de bolso "Os Livros das Três Abelhas" e traduz "Morte de Um Caixeiro Viajante", de Arthur Miller. Tradução de "O Pão da Mentira" ("No Pockets in a Shroud") de Horace McCoy. Em 1953 morre o irmão num acidente de aviação em cumprimento do serviço militar. Dez anos mais tarde, Cardoso Pires dedicar-lhe-á "in memoriam" o romance "O Hóspede de Job" "como protesto contra a guerra fria e a colonização militar" (entrev. "Vida Mundial", 7/12/74). Em 1954, o primeiro romance original publicado no estrangeiro: "The Outsiders" (o conto "Os Caminheiros", extraído do volume do mesmo título), nº 11 da revista "Argosy", Londres. Dirige as Edições Artísticas Fólio onde Aquilino Ribeiro publica "O Retrato de Camilo", com litografias de Júlio Pomar e Carlos Botelho, e as traduções de "D. Quixote" e "Novelas Exemplares", ilustradas por João Abel Manta. Na mesma editora, a colecção "Teatro de Vanguarda", que revela em Portugal obras de Beckett, Faulkner e Maiakovski. Em 1959 faz estágio na revista "Época" de Milão, com vista à publicação de um semanário que a Censura impediria de sair. A empresa editora lança então a revista "Almanaque", cuja redacção, coordenada por Cardoso Pires, é constituída por Luís Sttau Monteiro, Alexandre O"Neill, Vasco Pulido Valente, Augusto Abelaira e José Cutileiro. "O programa da revista era simples: ridicularizar os provincianismos, cosmopolitizados ou não, sacudir os bonzos contentinhos e demonstrar que a austeridade é a capa do medo e da falta de imaginação", JCP, entrev. "O Século Ilustrado", 6/6/75. Breve exílio em Paris e no Brasil.Em 1961, de regresso a Portugal, retoma a direcção de "Almanaque". Membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, presidida por Jaime Cortesão. Em 1963 é delegado ao Encontro (clandestino) de Escritores Peninsulares realizado em Barcelona. Primeiro romance publicado no estrangeiro: "L"Ospite di Giobbe" ("O Hóspede de Job"), Lerici Editori, Milão. Em 1964 recebe o Prémio Camilo Castelo Branco atribuído a "O Hóspede de Job". Em 1965 estreia de "O Render dos Heróis" no Teatro Império de Lisboa, com encenação de Fernando Gusmão; interpretações de Carmen Dolores, Rui de Carvalho, Morais e Castro e Rogério Paulo; música de Carlos Paredes. Em 1966, com Alçada Baptista, Miller Guerra, Lindley Cintra, Joel Serrão, José-Augusto França, Nuno Bragança e Nuno Teotónio Pereira constitui o núcleo português da Association Internationale pour la Liberté de la Culture. Em 1967 publica no "Diário Popular" das crónicas "Os Lugares-Comuns". Funda e orienta "& etc.", "magazine das letras, das artes e do espectáculo" do "Jornal do Fundão", coordenado por Victor Silva Tavares. Em 1968, ainda com a assistência de Victor Silva Tavares, dirige o "Suplemento Literário" (nova fase) do "Diário de Lisboa" e, meses depois, o suplemento "A Mosca", do mesmo jornal. Entre 1969 e 71 lecciona Literatura Portuguesa e Brasileira no King"s College da Universidade de Londres. Colaborações eventuais na BBC. Entrega à revista "Index" o original do ensaio "Técnica do Golpe de Censura". Primeira redacção de "Dinossauro Excelentíssimo". Em 1972, de regresso a Portugal, publica "Dinossauro Excelentíssimo". O ensaio "Técnica do Golpe de Censura" é simultaneamente editado em Londres ("Index") e em Paris ("Esprit"); a versão original só sairá em Portugal depois da Revolução de 25 de Abril, incluída em "E agora, José?" (Moraes Editores, Lisboa, 1977).Em 1974 cerca de mil pessoas assistiram ao encontro cultural que sublinhou o aniversário do "Jornal do Fundão". Um romancista, José Cardoso Pires, um poeta, Eugénio de Andrade, e um pintor, Cargaleiro, "foram exaustivamente analisados e proclamados testemunhas de um certo tempo português", "Diário de Lisboa", 29/1/74. Após a queda da ditadura, interessa-se por analisar "o submundo da polícia política e o tecido psicológico da sua identificação como corpo de terror" (entrev. "Vida Mundial", 7/12/74). 0 drama "Corpo-Delito na Sala de Espelhos", levado à cena seis anos mais tarde, baseia-se nessa experiência. Director-adjunto do "Diário de Lisboa". 1975 - "Sete Parágrafos sobre a Liberdade", texto apresentado no XXV Festival da Cidade de Berlim, RFA, e editado pela Damnitz Verlag, de Munique, e por "Neue Deutsche Literatur", de Berlim Leste. Vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Entre 1978 e 79 vive em Londres como "resident writer" da universidade. Estreia, em Lisboa, no Teatro Aberto, da peça "O Corpo-Delito na Sala dos Espelhos"; direcção de Fernando Gusmão, interpretações de Lia Gama, Mário Jacques, Rui Mendes, Morais e Castro e António Montez; coreografia de Vasco Wellenkamp e Lucia Lozano. Em 1980 escreve "Apocalipse 2" - reportagem sobre o Vietname para as revistas "Triunfo", de Madrid, e "Hoy", do México, e parcialmente publicada no "Diário de Lisboa". Em 1982 - Grande Prémio do Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores atribuído à "Balada da Praia dos Cães". 1986-87 - "Les Pas Perdus", conto publicado em "Le Monde Diplomatique" (Dezembro, 1986) cuja versão original sairá depois em "A República dos Corvos".1988 - "Balada da Praia dos Cães", filme de José Fonseca e Costa em co-produção luso-espanhola; interpretações de Assumpta Serna, Mário Pardo, Raul Solnado, Patrich Buchau e Sergi Mateu. "Poker Aberto", série de cinco crónicas no semanário "O Jornal". Em 1989-90 ganha o Prémio Especial da Associação de Críticos, São Paulo, Brasil, atribuído a "Alexandra Alpha". Inauguração do Teatro da Malaposta com "O Render dos Heróis" em encenação de Mário Barradas e com música de António Victorino de Almeida. Meses depois, em Março de 1990, nova encenação desta peça por Álvaro de Oliveira para o Grupo de Teatro António Aleixo, com música de José Afonso. 1991 - Prémio Internacional União Latina. 1992 - Astrolábio de Outo do Prémio Internacional Último Novecento (Pisa) Em 1995 sofre um acidente vascular-cerebral e entra em coma, experiência que o levou a escrever "De Profundis, Valsa Lenta" (1997). Em 1997 ganha o Prémio Pessoa, Prémio D. Dinis da Fundação da Casa de Mateus e Prémio da Crítica da Associação Internacional de Críticos Literários (AICA). Em Abril de 1998 o seu estado de saúde agrava-se, depois de novo acidente vascular cerebral. Em Julho, recebe em casa o prémio da AICA. No mesmo mês, a dia 8, é internado depois de novo acidente vascular cerebral. Entrou em coma e não mais saiu. A Associação Portuguesa de Escritores (APE) atribui-lhe o Prémio Vida Literária, que é entregue à mulher do escritor a 23 de Setembro. Retirado do livro "Cardoso Pires por Cardoso Pires", de Artur Portela, ed. Publicações Dom Quixote e do jornal PÚBLICO. Adaptações de Portugal em Linha. José Cardoso Pires nas palavras dos outrosUrbano Tavares Rodrigues:«José Cardoso Pires foi sem dúvida uma figura cimeira entre os melhores escritores portugueses do seu tempo. A sua linguagem é muito depurada, de um grande rigor, por vezes com conotações bem pessoais e intensamente sugestivas.» (Público, 28/10/98)Eduardo Lourenço:«Homem, nem de certezas nem de incertezas, nem olímpico nem angustiado, o autor de O Delfim investiu-se, como uma espécie de predestinação, no papel de detective por conta própria, apostado na descoberta de enigmas ou crimes, secularmente sepultados, sob o espesso silêncio português, raiz e matriz do tempo sonâmbulo (a frase é dele) que lhe coube viver. Viver e reviver em contos e romances inseparavelmente realistas e alegóricos, onde em quem os ler respirará um pouco aquele ar refeito de um passado português que foi o da sua geração e, eminentemente, o seu.» (Público, 27/10/98)Paulo Castilho:«Se tivesse de resumir José Cardoso Pires numa só palavra, essa palavra seria verdade. Porque há em tudo aquilo que nos diz a força imediata e sem rodeios das palavras claras. Porque por trás da simplicidade directa com que se nos dirige está a riqueza e humanidade de um mundo complexo. Porque recusa o recurso aos expedientes fáceis da literatura, aos fogos-de-artifício verbais e intelectuais para nos dizer que a única coisa que importa são as pessoas. (Público, 28/10/98)OBRAS DE JOSÉ CARDOSO PIRESCONTOS 1949-Os Caminheiros e Outros Contos1952-Histórias de Amor1960-Cartilha do Marialva1963-Jogos de Azar1972-Dinossauro Excelentíssimo (fábula)1979-O Burro-em-Pé1988-A República dos CorvosROMANCES1958-O Anjo Ancorado1963-O Hóspede de Job1968-O Delfim1982-Balada da Praia dos Cães1987-Alexandra AlphaTEATRO1960-O Render dos Heróis1980-Corpo Delito na Sala de EspelhosCRÓNICAS, ENSAIOS E OUTROS TEXTOS1977-E Agora, José?1994-A Cavalo no Diabo1997-De Profundis-Valsa Lenta1997-Lisboa, Livro de BordoPRÉMIOS RECEBIDOS1963-Prémio Camilo Castelo Branco: O Hóspede de Job1982-Grande Prémio de Romance e Novela da APE: A Balada da Praia dos Cães1988-Prémio Especial da Associação de Críticos do Brasil:Alexandra Alpha1991-Prémio Internacional União Latina1997-Prémio Pessoa1997-Prémio D.Dinis: De Profundis, Valsa Lenta1998-Prémio Vida Literária da APE



Alexandre O'Neill
Nascimento:
1924 Lisboa
Morte:
1986
Época:
Surrealismo
País:
Portugal

Poeta português, descendente de irlandeses e nascido em Lisboa. Autodidacta, fez os estudos liceais, frequentou a Escola Náutica (Curso de Pilotagem), trabalhou na Previdência, no ramo dos seguros, nas bibliotecas itinerantes da Fundação Gulbenkian, e foi técnico de publicidade. Durante algum tempo, publicou uma crónica semanal no Diário de Lisboa. Datam do ano de 1947 duas cartas de O'Neill que demonstram o seu interesse pelo surrealismo, dizendo numa delas (de Outubro) possuir já os Manifestos de Breton e a Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Nesse mesmo ano, O'Neill, Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com os seus Cadáveres Esquisitos e Diálogos Automáticos, que conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos. Por volta de 1948, fundou com o poeta Cesariny, com José-Augusto França, António Pedro e Vespeira o Grupo Surrealista de Lisboa. Com a saída de Cesariny, em Agosto de 1948, o grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo Surrealista Dissidente (que integrou, além do próprio Cesariny, personalidades como António Maria Lisboa e Pedro Oom). Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do movimento surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa (em Janeiro), onde expuseram Alexandre O'Neill, António DaCosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Vespeira. Nessa ocasião, Alexandre O'Neill publicou A Ampola Miraculosa, constituída por 15 imagens sem qualquer ligação e respectivas legendas, sem que entre imagem e legenda se estabelecesse um nexo lógico, o que torna altamente irónico o subtítulo da obra, «romance». Esta obra poderá ser considerada paradigmática do surrealismo português. Foram lançados, ainda nesse ano, os primeiros números dos Cadernos Surrealistas. Em Maio do mesmo ano, foi a vez de o Grupo Surrealista Dissidente organizar uma série de conferências com o título geral «O Surrealismo e o Seu Público», em que António Maria Lisboa leu o que se pode considerar o primeiro manifesto surrealista português. Houve ainda mais duas exposições levadas a cabo por este grupo (em Junho de 1949 e no ano seguinte, no mesmo mês), sem grande repercussão junto do público. Depois de uma fase de ataques pessoais entre os dois grupos (1950-52), que atingiram sobretudo José-Augusto França, e após a morte de António Maria Lisboa, extinguiram-se os grupos surrealistas, continuando todavia o surrealismo a manifestar-se na produção individual de alguns autores, incluindo o próprio Alexandre O'Neill, que se demarcara, já em 1951, no Pequeno Aviso do Autor ao Leitor, inserido em Tempo de Fantasmas. Nessa mesma obra, sobretudo na primeira parte, Exercícios de Estilo (1947-49), a influência do surrealismo manifesta-se em poemas como Diálogos Falhados, Inventário ou A Central das Frases e na insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas, como a bicicleta e a máquina de costura. Na segunda parte da obra, Poemas (1950-51), essa influência, embora ainda presente, é atenuada, como acontecerá em No Reino da Dinamarca (1958) e Abandono Vigiado (1960). A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda (surrealismo e experiências próximas do concretismo) — que se manifesta no carácter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas — com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, por exemplo). Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neo-realismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor. Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se «O Poema Pouco Original do Medo», com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país — «meu remorso, meu remorso de todos nós». Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou de neologismos inventados pelo autor. Alexandre O'Neill escreveu Tempo de Fantasmas (1951), No Reino da Dinamarca (1958), Abandono Vigiado (1960), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), De Ombro na Ombreira (1969), Entre a Cortina e a Vidraça (1972), A Saca de Orelhas (1979), As Horas Já de Números Vestidas (1981), Dezanove Poemas (1983) e O Princípio da Utopia (1986). A sua obra poética foi ainda recolhida em Poesias Completas, 1951-1983 (1984). Foi ainda editada uma antologia, postumamente, com o título Tomai Lá do O'Neill (1986). Publicou dois livros em prosa narrativa, As Andorinhas não Têm Restaurante (1970) e Uma Coisa em Forma de Assim (1980, volume de crónicas), e as Antologias Poéticas de Gomes Leal e de Teixeira de Pascoaes (em colaboração com F. Cunha Leão), de Carl Sandburg e João Cabral de Melo Neto. Gravou o disco «Alexandre O'Neill Diz Poemas de Sua Autoria». Em 1966, foi traduzido e publicado na Itália, pela editora Einaudi, um volume da sua poesia, Portogallo Mio Rimorso. Recebeu, em 1982, o Prémio da Associação de Críticos Literários.


Mal nos conhecemos

Inauguramos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso De boca em boca,

Um olhar bem limpo

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.

Um coração pronto a pulsar

Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí,Escrupulosos detritos?)

Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,

Não o erro perseguido, explorado.

É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,

Um trabalho sem fim,

Um espaço útil,

um tempo fértil,

Amigo vai ser,

é já uma grande festa!


A meu favor

Tenho o verde secreto dos teus olhos

Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor

O tapete que vai partir para o infinito

Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor

As paredes que insultam devagar

Certo refúgio acima do murmúrio

Que da vida corrente teime em vir

O barco escondido pela folhagem

O jardim onde a aventura recomeça.


Nesta curva

tão terna e lancinanteque vai ser que já é o teu desaparecimento

digo-te adeus e como um adolescente

tropeço de ternura por ti.


Mesa dos sonhos

Ao lado do homem vou crescendo Defendo-me da morte quando dou Meu corpo ao seu desejo violento E lhe devoro o corpo lentamente Mesa dos sonhos no meu corpo vivem Todas as formas e começam Todas as vidas Ao lado do homem vou crescendo E defendo-me da morte povoando de novos sonhos a vida


A história da moral

Você tem-me cavalgado seu safado!

Você tem-me cavalgado,

mas nem por isso me pôs a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;

outra quem está a montá--lo.


António Maria Lisboa (1928-1953)


Nasce em Lisboa, a 1 de Agosto de 1928. Frequenta o Ensino Técnico. A partir de 1947 forma com Pedro Oom e Henrique Risques Pereira um pequeno grupo à parte das actividades dos surrealistas. Em Março de 1949, parte para Paris, onde permanece por dois meses. Datam provavelmente daí os seus primeiros contactos com o Hinduísmo, a Egiptologia, com o Ocultismo em geral. De volta a Lisboa, colabora com poemas e desenhos de títulos estranhos ( Pequena Históra a Mais Fantástica dos Amorosos, Marfim Peixe, etc.) na qual se chamou «1 Exposição dos Surrealistas», do grupo dissidente. A partir dessa altura, a amizade com Mário Cesariny acompanhá-lo-ia até aos últimos dias. Em 1950 colabora na redacção de vários manifestos e, em carta a Cesariny, faz as primeiras declarações com referência aos objectivos do movimento surrealista. Apesar da aproximação, Lisboa prefere intitular-se «metacientista», e não surrealista, porque, argumenta, numa carta a Mário Cesariny, a «Surrealidade não é só do Surrealismo, o Surreal é do Poeta de todos os tempos, de todos os grandes poetas». Morreu de tuberculose com 25 anos.




Miller Guerra foi um médico e político português (1912-1993).
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra nasceu em Vila Flor e tirou a licenciatura em Medicina na Universidade de Coimbra. Em finais da década de 1960, integrou a chamada Ala Liberal da Assembleia da República, que abriu caminho às transformações democráticas que a Revolução de 25 de Abril preconizaria



Lia o Diário de Notícias após as orações, a missa e o pequeno-almoço na manhã de 18 de Fevereiro de 1970. Ainda não tinha acabado o artigo que dava conta de um abaixo-assinado de dez mil padres católicos e pastores protestantes que, na Holanda, defendiam a saída de Portugal da NATO, alegando que o Governo de Lisboa usava meios militares da organização para massacrar as populações das suas colónias, quando um ruído lhe desviou a atenção do jornal, onde se dava conta de que a manifestação não passava de propaganda antiportuguesa - e ainda não se tinha dado o massacre de Wiriamu, a aldeia moçambicana arrasada pela nossa tropa (a fazer lembrar o massacre americano na vietnamita Mi Lai), em 1972, que levou à expulsão dos padres de Burgos e do Macuti.Bart Reker conta ao DN que reconheceu o carro que parou diante da janela do seu quarto, no seminário que a Congregação dos Sagrados Corações tinha em Santa Iria de Azóia, compreendendo logo que a PIDE (a polícia política) o ia buscar outra vez. O padre holandês seria novamente levado até à fronteira e convidado a sair do automóvel em Badajoz, com a indicação de ser uma pessoa indesejável no nosso país. A única diferença é que, dessa vez, pararam no Couço - freguesia com um proletariado rural explorado pelos latifundiários e vítima da repressão policial - para meter outros dois padres holandeses na viatura da polícia política. Esse episódio, pouco conhecido, foi recordado pela Associação Não Apaguem a Memória numa deslocação ao concelho de Coruche.Mas enquanto Reker mantinha contactos com os católicos progressistas quase desde a chegada a Portugal, em 1963, os sacerdotes do Couço, Adriano Van der Ven e Jan (para os paroquianos, João) Dekker, apesar de serem também da congregação fundada por Pierre Coudrin - um conservador que se opunha à Revolução Francesa sem desconfiar que os seus seguidores iriam difundir a doutrina social da igreja -, eram só padres rurais na freguesia que o regime dizia ser comunista.Reker tinha estudado no Colégio Português em Roma e foi professor no Seminário dos Olivais, no Instituto de Serviço Social e no Instituto Superior Católico, dando aulas em cadeiras que abordavam as "realidades terrenas" numa visão cristã. Na década de 60, começaram a ganhar importância os sectores dos católicos progressistas, que se opunham à guerra colonial e defendiam o fim dos presos políticos.Na madrugada de 1 de Janeiro de 1969, um grupo de católicos realizou uma vigília na igreja de S. Domingos, na sequência do apelo do Papa Paulo VI, que declarou que essa data passaria a ser o Dia da Paz. "A carta pastoral do episcopado português indicava que essa meditação e oração pela paz deveria ser sobre a guerra do Vietname", recorda Reker à conversa com o DN. Naquela igreja, pelo contrário, até era lido um relatório com o número de mortos no Ultramar e divulgado um texto em que se defendia a solução pacífica para a questão colonial. A ousadia dessa madrugada, em que se cantaram também os versos de Sophia que Francisco Fanhais musicou - "Vemos, ouvimos e lemos,/ não podemos ignorar" -, não teria as consequências da vigília de 1972, na capela do Rato, onde os participantes foram presos.A 3 de Janeiro de 1969 morre a mãe de Reker e o padre vai ao funeral, mas, quando regressa da Holanda, não o deixam sair do aeroporto. Esteve duas horas a exigir falar com o Patriarcado. Levado para a sede da PIDE, falou com "um inspector de nome italiano", provavelmente Barbieri Cardoso, número dois na hierarquia. A polícia política terá ficado convencida de que o clérigo holandês louro que lera o rol dos mortos na guerra colonial tinha sido Bart Reker, quando de facto fora o seu compatriota Nicolau Poelman.Barbieri chamou os agentes que meteram Reker no carro que o levou até à praça central de Badajoz, onde saiu com as duas malas e se hospedou num hotelzito, antes de se mudar para um colégio católico, ficando meses à espera que a situação se alterasse. Contactou o superior da Congregação em Lisboa, o seu cúmplice Teotónio Pereira, o seu o advogado José Manuel Galvão Teles e a sua ex-aluna e filha de Miller Guerra - deputado da Ala Liberal, grupo que acreditou na chamada Primavera Marcelista. Deram-lhe a entender que a situação política iria mudar e, em Julho, recebeu um telegrama a dizer que podia regressar. As autoridades eclesiásticas sugeriam-lhe que tivesse cuidado, uma vez que tinha contactos com... comunistas. "Os tais comunistas", que afinal eram todos católicos mas antiditadura, "não eram nenhum perigo para a fé".Entretanto, no Couço, onde o ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, tinha uma quinta, Jan e Adriano tinham desenvolvido uma actividade pouco grata ao regime. O seu apostolado não se limitava à liturgia, pois também conviviam com o campesinato explorado pelos agrários e perseguido pelas greves contra o abaixamento dos pagamentos da jorna e pela jornada de oito horas de trabalho em vez de ser de sol a sol, com a PIDE a levar homens e mulheres para os seus calabouços.E se Adriano tinha desafiado o arquitecto Nuno Teotónio Pereira a desenhar uma igreja que fosse lugar de reunião e de catequese, Jan foi mais longe. Num funeral, lembrava que os ricos tinham obrigações que não se limitavam à esmola que davam aos pobres. Obviamente, mesmo sem estarem a ler o DN, entraram também no carro da PIDE rumo a Badajoz.

ALA LIBERAL Dicionário da História do Estado Novo Fernando Rosas, J.M Brandão de Brito Designação dada por alguns jornalistas aos deputados que, eleitos em 1969 nas listas da então União Nacional, afirmaram ao longo da legislatura o desejo de ver instaurado «um regime político de liberdade, em que seja possível discutir, controlar os actos do Governo e escolher os representantes da Nação», conforme síntese de Miller Guerra. Nunca foi possível apurar o seu número exacto mas, a avaliar pelas votações, não seriam mais que uma dúzia. Pinto Leite é, na primeira sessão da legislatura, o nome mais em foco. Depois, destacam-se Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Miller Guerra, Magalhães Mota e, ainda, Pinto Machado, Mota Amaral, Correia da Cunha ou José da Silva. Miller Guerra, num balanço crítico que a censura cortou no semanário a que se destinava mas que o autor publicou na colectânea Progresso na Liberdade, diria que o facto de serem poucos «não obstou a que os debates sustentados [...], os discursos proferidos, as atitudes tomadas se repercutissem dentro e fora do país. [...] na esfera política tradicional, abriu-se uma fenda». A extrema-direita, crítica de Marcelo Caetano, mas não ousando afrontar directamente o Poder, toma a «ala liberal» como alvo preferido. O Agora, de Nogueira Pinto e José Júdice e direcção de Goulart Nogueira, transformou-os em bode expiatório de todos os males, já que a restauração das liberdades lhes surgia como impossível de conciliar com o que chamavam «a defesa da integridade nacional». Certo é que a influência da «ala liberal» e das suas posições, quer na Universidade quer, por progressivo alargamento e interinfluência, nas classes médias, marcou fortemente o período 1969-1974 e teve papel relevante na génese e na dinâmica do Movimento das Forças Armadas . E, aliás, no chamado «encontro dos liberais» que vários militares estão presentes como observadores, sendo os textos respectivos, que a Moraes editou (Encontro de Reflexão Política), uma das matrizes genéticas do Programa do Movimento. Ainda que a maior parte dos «liberais» tenha depois surgido ligada ao PPD - a excepção mais notória foi Miller Guerra - o corpo comum do seu pensamento, tal como expresso na Assembleia Nacional, não ultrapassaria o estabelecimento das liberdades fundamentais e aparece, em particular, no projecto de revisão constitucional de que Sá Carneiro foi primeiro subscritor. A opção europeia (Pinto Leite, Magalhães Mota), a liberdade de imprensa (Sá Carneiro, Balsemão), a reforma das universidades (Miller Guerra) são alguns dos grandes temas liderados pelos «liberais» que, no entanto, intervêm assiduamente, em particular no comentário aos temas políticos da actualidade, envolvendo-se em polémicas com os deputados mais à direita (caso da Capela do Rato, actuações da polícia política, censura, etc.). Sá Carneiro e Miller Guerra haveriam de renunciar ao mandato, Pinto Machado seria mobilizado como médico militar, Pinto Balsemão e Magalhães Mota anunciam a sua última intervenção com fortes críticas. Em 1973 só José da Silva e Mota Amaral seriam de novo deputados.





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